Se o governo Lula se destacou pela capacidade de reduzir a
pobreza e desigualdade no Brasil através de políticas sociais e de uma política
econômica que redimensiona o papel do estado brasileiro, o governo Dilma, dando
continuidade a muitas de suas medidas e iniciativas, consolidou no plano
econômico uma espécie de “neo-desenvolvimentismo” . Ainda que vejamos elementos de continuidade
virtuosa nesse processo, há que se compreender que certos “gargalos” políticos
seguem relevantes, como por exemplo, a ausência de uma reforma política que tem
como conseqüência a extrema dificuldade do PT, que encabeça o governo de
coalizão, em se livrar, ou mesmo ganhar
mais autonomia em relação ao tradicional jogo político das alianças que em
muitos momentos limitam as possibilidades de avançar em mudanças e reformas
mais amplas, que vão além da esfera econômica da sociedade.
Dentro da coalizão podemos perceber uma clara vitória e
avanço da concepção neo-desenvolvimentista, que tem como maior entusiasta, a
própria presidenta Dilma. Se por um lado tal concepção fortalece alguns
elementos de estado que podemos chamar de “progressistas” como por exemplo a
atuação do Banco central na redução de juros em favor da produção, o papel do BNDES no impulso de grandes
empresas nacionais e no spread bancário, por outro lado é notório que essa
concepção esbarra em alguns problemas que tento aqui em seguida organizar:
O primeiro problema e mais gritante é que essa concepção
revela antes de tudo uma visão essencialmente “economicista” de sociedade. A
crença inefável de que um determinado avanço econômico é suficiente para
garantir outros avanços societários,
pode gerar alguns problemas quando tratamos de um governo que se
pretende de centro-esquerda já que muitas das medidas para promover o suposto
avanço econômico acabam esbarrando em medidas “liberalizantes” que a longo
prazo podem tornar inviáveis as transformações necessárias para a
(re)construção de um estado com maior capacidade estratégica. Se as empresas
tem papel fundamental nesse processo, por outro lado não se pode subestimar a
necessidade de que o estado assuma a frente da questão da transferência
tecnológica, seja da tecnologia em si, ou seja da tecnologia da gestão desse
desenvolvimento (algo que se tornou latente como no caso dos portos e
aeroportos brasileiros).
Em segundo lugar, e fundamental para uma noção de processo
civilizatório, é importante pensarmos que um certo modelo de desenvolvimento,
muitas vezes parecido com uma releitura de modelos passados gera naturalmente
um efeito sobre a “sociedade de classes” no Brasil e a forma como essa relação
entre “capital e trabalho” (perdão pelas expressões empoeiradas) se constitui e
se resignifica. No meu entender a
tentativa de empreender um ciclo neo-desenvolvimentista tende a gerar uma
espécie de “emulação” de uma sociedade de classes que já se esgotou e não
promoveu a devida “libertação” e “ampliação de direitos” da antes chamada
classe trabalhadora (desta vez peço perdão por parecer pós-moderno). Mas é fato
que em uma sociedade onde as relações de pertencimento e associação se tornam
cada vez mais difusas, insistir em um modelo reverso gera menos “empoderamento”
aos cidadãos e cidadãs em seu cotidiano. O maior exemplo disso é a clara
ausência de uma agenda efetiva para LGBTs, que ao mesmo tempo que compõem o
setor que mais se organiza na sociedade brasileira e promove uma efetiva luta
pela igualdade e cidadania, são os que menos enxergam horizontes claros dentro
das políticas do atual governo.
É óbvio que o desafio é imenso, já que não podemos também
aceitar o discurso fácil de que é possível promover avanços sem avançar na
economia, o que empreende uma gama de desafios como os problemas de
infraestrutura e investimento. Essas questões também podem ser qualificadas
como uma tarefa emergencial. Mas ainda sim precisam ser pensadas dentro de um
projeto mais qualificado de sociedade, o que por sua vez tem sido o grande
dilema histórico da esquerda brasileira. Pesa ao PT maior responsabilidade
sobre a tarefa de pensar esse processo pelo fato de que é o partido quem o lidera.
Ao mesmo tempo preocupa o fato de que o partido não assuma tal posição.
Assistimos uma espécie de “dissociação confortável”do partido das tarefas do governo no sentido de
articular, formular e cobrar.
Dilma precisa de uma agenda política que converta avanços
econômicos em avanços civilizatórios qualificados. A economia por si só é
incapaz de gerar bem-estar, essa é uma velha lição que os regimes de bem estar
social nos deixaram. Tal agenda representa não só o avanço de políticas
específicas mas também a necessidade gritante de que esse governo, que eu
apoio, tem de estabelecer elos efetivos (e por que não afetivos) com os
diversos setores da sociedade que emergem, se transformam cada vez mais e
esperam esse posicionamento traduzido em ações.
E não esqueçamos, (perdão pelo pragmatismo) as eleições estão chegando.
Embora discorde de que há "uma clara vitória e avanço da concepção neo-desenvolvimentista", as questões levantadas e as dificuldades exemplificadas estão muito bem colocadas. E, a necessidade desta agenda, tema do artigo, é mesmo "gritante". Bela contribuição.
ResponderExcluirmuito bom o seu texto,Rattes. Discordo de alguns pontos,especialmente no que concerne a uma ausência ( ou a uma fraca) ligação com os setores emergentes da sociedade,porque eu penso que essa nova nação precisa se movimentar agora com autonomia pra colocar suas demandas: acho que é hora de o governo parar de antecipar as demandas delas,como tem feito nos últimos anos,e ver o que ela quer.Não sabemos, nem mesmo imaginamos,porque nunca esses grupos estiveram onde estão agora.Tenho algumas críticas a esse governo que eu também apoio,mas, mesmo correndo o risco de ser simplista, eu ainda acho que esses equívocos são dores de crescimento, e que ele vai atingir a sua altura máxima já pro próximo mandato (pra cometer outros equívocos ,claro,mas não mais esses).
ResponderExcluirmuito bom tiago!!!!
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