“Guerra de mamona no
Museu”! O grito empolgado de um dos nossos colegas era o sinal: corríamos todos
para o parque do Museu Mariano Procópio. Formávamos nossas equipes, recolhíamos
as mamonas nas camisas e fazíamos nossas trincheiras imaginárias.
Geralmente em outubro
as jabuticabeiras do parque ficavam carregadas e lá íamos, em turbas de
moleques, saborear as frutas. “Mas cuidado com o guardinha!” Existia
entre nós a sensação de que pegar as frutinhas era algo proibido, o que dava
ainda mais sabor ao feito.
Assim crescemos, nós criados ali no
bairro Mariano Procópio, chamando de “museu” toda paisagem, inclusive o parque,
que envolve essa jóia de Juiz de Fora, o Museu Mariano Procópio. A presença
constante e alegre por ali desde a mais tenra infância, talvez tenha feito com
que demorássemos a perceber a exuberância dos prédios e o valor histórico
daquele lugar.
Tinha apenas 5 anos quando fiz minha
primeira visita guiada ao Museu. Lembro-me como se fosse hoje: ansioso como
sempre, o dia anterior tornou-se uma tortura. E lá fomos nós conduzidos pela
Tia Eliana da Escola Menino Jesus. A conversa que passava de boca em boca era
de que lá existia uma senzala. E a palavra senzala soava como dor. Falávamos
baixinho, como se fosse um palavrão! Ainda éramos pequenos para entender
exatamente o sofrimento que a escravidão havia legado ao povo negro, mas a
experiência daquele dia me fez observar atento não só a suposta senzala, mas
também os objetos do acervo relacionados a esse episódio da nossa história.
Retornei ao parque do museu no meu
papel de moleque ainda muitas vezes. E depois foram inúmeras visitas escolares
que ganhavam a cada dia mais um olhar curioso e refinado. Como se cada ida
revelasse um novo detalhe no acervo. Os móveis do período imperial, as
vestimentas expostas que pareciam dar vida e sentido ao passado, como se
expusessem os segredos dos personagens de nossa história.
O tempo passou e a curiosidade da
senzala tornou-se sentimento de responsabilidade e indignação. Aos poucos a
galeria de arte ganhava ainda mais sentido aos olhos de um rapaz não tão jovem.
A vontade de ver e conhecer, transmutava-se em olhar crítico. “Será
que essa tela de Jean Honoré-Fragonard é original?”
Memória, história, arte, arquitetura, o
cheiro e a geografia da infância se uniam em um único sentimento. E o moleque
que brincava de guerra de mamona e roubava jabuticabas no parque do museu
resolveu tornar-se historiador. E claro, pesquisador da história do Brasil Império.
O Museu Mariano Procópio conserva o
segundo maior acervo histórico do Brasil Império, uma coleção de obras de arte
vultuosa e oferece um conjunto arquitetônico ímpar, tudo isso conjugado a
beleza natural traduzida pelo paisagismo. Mas segue na minha memória afetiva
como meu lugar de brincadeiras, amizades e fantasias de criança.
Texto originalmente publicado na Tribuna de Minas para série "O museu é nosso".
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