Ativistas e intelectuais “progressistas” tendem a entender que sua atuação lhes confere certo capital social e político que os protege de seus próprios erros...
A situação que envolveu o professor Paulo Ghiraldelli Jr., que há quatro
anos leciona na UFRRJ, ao longo dos últimos dias tem um caráter emblemático.
Durante uma palestra na I Semana Acadêmica de Filosofia da UFRRJ o professor sofreu um
“escracho”. Trata-se de uma espécie de tática de manifestação em que jovens
expõem alguém a uma situação intensa de protesto, decorrente de alguma posição
política, geralmente ligada a intolerância, discriminação e violência. As
razões do “escracho” ao filósofo se justificaram pelo suposto comportamento
machista, homofóbico e até racista, que segundo alunos e alunas se
materializava em piadas nas aulas e também em textos, como por exemplo, uma
recente coluna intitulada “Diante da mulher nua, pergunto se é “friboi”?.
Paulo Ghiraldelli Jr.(Foto: blog pessoal) |
Não conheço o filósofo e nem tenho pretensão de
fazer aqui uma análise profunda sobre o caráter do mesmo, ou tentar compreender
através de sua obra se ele pode ou não assim ser tratado. Interessa-me, de
imediato, levantar algumas questões sobre esses conflitos que se tornaram
relativamente comuns nos dias de hoje.
A reação de Ghiraldelli diante os alunos é
emblemática. Aos berros, no vídeo feito pelos alunos durante o “escracho” ele
diz: “sou militante de todos os movimentos sociais e tenho livros para provar
isso”. O filósofo apresentou, portanto, as credenciais que o isentariam de machismo: é um militante, ou seja, não pode ser questionado.
Em proporções diferentes essa foi a reação do rapper Emicida quando questionado por feministas de fora e de dentro do mundo do rap sobre a música “Trepadeira”, lançada em seu
novo álbum. Emicida é indiscutivelmente
um valoroso combatente da igualdade social e racial. Apesar de não ter tido uma
reação tão “exaltada” como a do filósofo, também procurou a todo momento negar
o suposto machismo.
E quem tem um grau de vivência, seja na academia, seja nos diversos
movimentos sociais tradicionais, principalmente os sindicais, sabe que é
costumeiro o comportamento machista e homofóbico. E a luta para modificar esse
quadro sempre encontra resistência.
Ativistas e intelectuais “progressistas” tendem a entender
que sua atuação lhes confere certo capital social e político que os protege de
seus próprios erros. Inclusive os
protege da ausência de reflexão sobre os problemas complexos que envolvem
gênero e raça, por exemplo.
De um lado podemos constatar que boa parte desse campo
progressista ainda não promoveu as devidas reflexões. Tanto ativistas, quanto
acadêmicos ainda não incorporam, na sua grande maioria, as temáticas citadas em
seus debates e reflexões. Tais temas ainda encontram espaço marginalizado nos
diversos meios, ficando restritos quase que exclusivamente a antropólogos e
congêneres.
Do ponto de vista do ativismo e da militância, existe uma
forte tendência de hierarquização de bandeiras, algo muito comum nas esquerdas
tradicionais. Isso não é só um problema de método, é antes de tudo um problema
de concepção. Demonstra que persiste em boa parte desses setores a perspectiva
de observar a realidade complexa através de olhares que privilegiam
determinadas esferas, enquanto o mais importante seria compreender as múltiplas
relações causais e de interações de efeitos que esses temas propiciam.
Ao mesmo tempo em que vejo esse fenômeno, vejo também horizontes
interessantes. Cada vez mais surgem movimentos dispostos a construir olhares
complexos e múltiplos sobre a realidade. Isso significa a efetiva possibilidade
de integração e interação das pessoas, em sua multiplicidade e diversidade.
Muito bom! Isso é interessante, também, porque o aluno que, humildemente, está sempre num estado de profundo aprendizado diante do professor (por considerá-lo exemplar), acaba incorporando ideias que, muitas vezes, como foi dito no texto, ainda não foram refletidas devidamente por esses professores. Lógico, estamos sempre aprendendo, independe de sermos professor ou aluno. Mas é a partir daí que pontos de vista restritos se disseminam.
ResponderExcluir