segunda-feira, 20 de maio de 2013

Um domingo com Monarco e a renovação de votos do samba





"Pra ver, se não me falha a memória
No livro da nossa história tem conquistas a valer
Juro que não posso me lembrar
Se for falar da Portela, hoje não vou terminar(...)"


Enquanto eu tomava uma Brahma no Bar Rainha – no malabarismo de acompanhar duas partidas de futebol pela TV ao mesmo tempo – pensava no compromisso que eu teria em algumas horas. Domingo, dia 19 de maio de 2013, reservava a mim e a tantas outras pessoas um dia histórico no samba de Juiz de Fora e por que não do Brasil. Mas eu bebia minhas Brahmas sem nem imaginar que a experiência para o qual já estava ansioso seria ainda mais brilhante.


Diretamente de Oswaldo Cruz vinha o Sr. Hildemar Diniz, octogenário, oriundo de Cavalcante, carioca até o talo, suburbano, sambista e figura ímpar da Portela. Para nós mortais, em busca das benesses espirituais que o samba proporciona esse senhor é conhecido como Monarco.
Paguei as Brahmas, ainda com um olho espiando pra ver o Neymar fazia uma graça, e fui embora, rumo ao Cultural Bar para participar de mais um Ponto do Samba. Dessa vez, um especial Ponto do Samba de aniversário: um ano do projeto que torna viva a mais nobre manifestação de nossa cultura popular em Juiz de Fora.

Mas cabe aqui um parêntese  lírico. O “Ponto” é antes de tudo a representação do que eu mais acredito como caminho para o samba. O samba não precisa de resgate nem de salvação. Precisa de espaços de encontro, bem organizados, com boas condições para que os artistas se expressem e antes de tudo com a possibilidade de que as diversas gerações e figuras possam circular e se encontrar para ouvir, tocar e conversar. O “Ponto” cumpre essa função e mistura todas as firmas. Sem dúvida nenhuma é uma das mais exitosas experiências que vi nesse tempo que circulo pela cultura de Juiz de Fora.
Chego ao Cultural e preciso me valer de doses industriais de cerveja para conter a expectativa do grande mestre. Mas o coração fica aliviado quando o samba começa.

No palco Roger Resende e Carlos Fernando Cunha comandam a festa na companhia de Caetano Brasil, Júnior 7 Cordas, Daniel Manga, Fabrício Nogueira e Mestre Jansen. O time é de primeira e joga com maestria.

Nada mais propício para marcar o início da festa do que o samba “Agradecimento” de Roger Resende que imortaliza o recado: “prometo-te fidelidade/ó samba serei sempre teu/até o final dos meus dias/graças a Deus”.  Estávamos ali, casa cheia, “a grande família do samba” formada.

Entre clássicos e composições autorais a noite se desenhou perfeita. Feito o intervalo, faltavam alguns minutos para que o grande Mestre Monarco aparecesse. Era inevitável certa ansiedade por parte da platéia.
Eis que surge, vestido de branco e de  chapéu – alinhado e elegante como sempre – o convidado especial da noite. Confesso que nesses momentos – de encontros com esses orixás vivos – pouco consigo fazer. Passa pela minha cabeça, antes de tudo, um filme. Penso na história de nosso povo que se mistura com a do samba e do carnaval. Penso em como o samba é indiscutivelmente o maior arranjo que uma civilização poderia constituir em todo planeta. Mas penso nas pequenas coisas, simples e belas que ele nos propicia. A união de pessoas tão diferentes, de classes diversas, de cor de pele, de sexo, de vidas cruzadas tão diferentes.


Vejo Monarco e lembro-me de Paulinho da Viola contando que ainda jovem chegava tímido e acanhado na quadra da Portela e via aquela Velha Guarda, carregada de história e bons sambas, levando em suas costas o peso de um universo de arte e encantamento.

Penso em Casquinha, em Jair do Cavaco, Manacéia, Paulo e tantos outros.

Vejo Monarco e lembro-me de cada primeira faixa de samba que ouvi – e constituí minha paixão avassaladora e incondicional – ainda na infância, mexendo nos discos dos meus pais.

Com um sorriso belo e sereno estampado no rosto o mestre cantou impecavelmente canções de sua autoria e de colegas. Não deixou e render suas homenagens à Juiz de Fora ao falar de Mamão com sua “Tristeza pé no chão” e de Geraldo Pereira com seu “Sem Compromisso”.

O sorriso que parecia não ter mais tamanho ficou ainda mais bonito quando meu parceiro Carlos Fernando lhe deu a notícia ali – ao vivo e na frente de todos nós – de que Serginho acabara de vencer as eleições da Portela e Monarco tornara-se o presidente de honra desta instituição fundamental na cultura brasileira. Seus  olhos brilharam e a frase veio retumbante:


- Acabou a ditadura na Portela!

O samba seguiu em ritmo de euforia. Talvez em poucos momentos eu tenha visto uma sintonia tão perfeita.  Éramos um sem número de figuras ali, em harmonia de amizade e carinho, sob a batuta do samba.

Monarco se despediu em grande estilo da noite brilhante. Mostrou força e felicidade de menino.

Eu fui embora ainda atônito. Milhões de pensamentos e notas na cabeça, ecoando o sentido que o samba pode dar às nossas vidas. Um domingo onde pessoas comuns escrevem a história do seu país no ritmo da batida do surdo. Um domingo daqueles para renovarmos nossa convicção de que se há algo que pode servir de lição para qualquer sociedade que se quer melhor, mais justa, mais fraterna e solidária, esse algo, caros amigos e amigas, se chama samba.

Até a próxima, e axé!

3 comentários:

  1. que lindo isso. Eu estava lá,bem ao seu lado,e você viu muito mais bonito do que eu ( e olha que eu estava com os olhos bem abertos). Então,feliz,porque ainda aprendi muito aqui.

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  2. Excelente texto. Estive presente no evento. O Ponto do Samba, é hoje sem dúvida, o melhor projeto de samba na cidade. Att
    Daniel Defilippo
    O Estandarte
    www.oestandarte.com.br

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  3. Lindo, poeta!

    O texto tem cadência, beleza, harmonia, e relata com extrema sensibilidade uma experiência vivida... uma obra-prima, como os grandes sambas, eternos em nossa memória!

    Axé!

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