quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Thiago Neves - duas opiniões

O política revisitada inicia 2012 de forma diferente, duas opiniões sobre o mesmo fato. A volta de Thiago Neves ao Fluminense. Nessa tribuna livre, a opinião de dois torcedores sobre os fatos.



Crônica de uma crise previsível

por Giliard Gomes Tenório*


Definir a recente novela pela contratação do meia-atacante Thiago Neves como o primeiro Fla-Flu do ano é mais do que simplificar as coisas. Antes, o caso permite ver muito sobre o funcionamento e a atual situação de ambos os times. No que se refere ao Flamengo, o episódio evidencia as inúmeras dificuldades institucionais do clube e uma sucessão de erros da diretoria, estas sim as razões para o momento de crise vivido neste início de ano. Ainda que relevantes, as atitudes do jogador não elucidam a questão.

Meu resumo da novela

“O combinado não sai caro”, diz a sabedoria popular. Thiago Neves chega ao Flamengo em janeiro de 2011 por meio de empréstimo junto ao Al Hilal, mas tendo o rubro-negro comprado 10% dos direitos federativos do atleta e definido cláusula para a aquisição do percentual restante. Valores, prazo e forma de pagamento já estavam acertados.
Tendo como possíveis trunfos o bom ano de Thiago Neves com o manto rubro-negro, em sua manifesta vontade de ficar e nas promessas de seu procurador, Léo Rabello, o Flamengo deixa de lado o acerto com o Al Hilal e refaz a proposta, com valores inferiores e um prazo de pagamento maior. Mais do que isso, assina um pré-contrato com o jogador, o que “inviabilizaria” as tentativas de qualquer outro clube brasileiro em contratar o atleta. Os árabes seriam obrigados a negociar com o Flamengo, que se veria numa situação favorável para impor suas condições.
Com o passar dos dias, nota-se como o “golpe de mestre” do Flamengo parece não funcionar. Os flamenguistas mais experimentados já começam a perceber, ainda que intimamente, os grandes riscos de o negócio não sair. Ainda que previsível, ninguém poderia imaginar que o vindouro fracasso vestiria trajes de fiasco estrondoso, afundando mais e mais o clube numa crise paralisante.

Culpa de quem?

Avaliar a situação exige prudência e bom senso. Sendo assim, é correto entender que a malandragem expressa na nova estratégia de contratação do jogador tem como pano de fundo a difícil realidade financeira do clube – que possui dívidas superiores a R$ 300 milhões, inferiores apenas a do rival de ocasião, Fluminense. Contudo, seria hipocrisia não reconhecer os erros da diretoria.

O caso evidencia os problemas da atual cadeia de comando no Flamengo. Não há um vice de futebol, apenas um profissional atuando como gerente, o ex-presidente do clube Luís Augusto Veloso. Ainda assim, as tratativas por Thiago Neves foram assumidas por um outro dirigente: o vice de finanças, Michel Levy. Dono da “chave do cofre”, esta eminência parda tem assumido todas as negociações e respondido pela maioria das questões. Sua presença não só é maior que a da presidenta, Patrícia Amorim, como é autorizada por esta, resultado do acordo que permitiu a eleição da mesma.

Foi Michel Levy quem contratou o zagueiro Alex Silva, e que demorou mais de seis meses para pagar as luvas do mesmo. Foi Michel Levy o responsável pelas tratativas com a Traffic, que têm como resultado as indefinições quanto ao pagamento dos salários de Ronaldinho Gaúcho. Foi Michel Levy o responsável pela proposta “inapropriada” por Vagner Love. Foi Michel Levy que chamou de “marqueteiros” os jogadores que reclamavam de atrasos no pagamento das gratificações. Hoje, a crise vivida pelo Flamengo é obra de Michel Levy e, evidentemente, da série de acordos que definem a estrutura hierárquica no clube, alcançando deste modo Patrícia Amorim.

Ih, qualé?! E o Thiago Neves? E o Fluminense?

Tá bem! Não tem santinho nenhum nessa história. E inclua-se o Al Hilal entre os responsáveis. Se houve acerto entre Fluminense e Thiago Neves, este ocorreu pela intermediação de um agente boliviano, Luiz González, autorizados pelos árabes a negociar o atleta com outros clubes, e que no caso ignorou a presença do procurador do jogador, Léo Rabelo. Aqui encontra-se o primeiro erro de Thiago Neves. Em imbróglios como este, a transparência é sempre um ponto a favor. No entanto, o atleta preferiu mentir ao próprio empresário, negando a ele as tratativas com o Tricolor das Laranjeiras. Acordos às escondidas nunca parecem corretos. Impossível não recordar do pré-contrato que o meia assinou com o Palmeiras em 2007, e do tumulto que isso causou na época. Erros que se repetem.

A mesma falta de transparência determina o segundo erro de Thiago Neves, desta vez contra a instituição Flamengo e sua fanática torcida. É dos rubro-negros que se deve esperar as principais reações ao caso. Isso porque, apesar do histórico conturbado, a Nação o acolheu de braços abertos e reconheceu seus méritos vestindo o Manto Sagrado. Trocar a Gávea pelas Laranjeiras sem sequer um pronunciamento oficial, mesmo para dar a [coerente] justificativa do fracasso das negociações e a necessidade de jogar futebol, é algo que não passará em brancas nuvens.

Finalmente, o Fluminense. O respeito filial e fraterno com os tricolores não pode impedir críticas, desde que justas. Sendo assim, é necessário lembrar que o clube tem em seu histórico outras ocasiões nas quais atravessou negociações. Que o diga o Botafogo, que vê isso ocorrer repetidamente. No caso Thiago Neves, o time das Laranjeiras afirmou oficialmente que só negociaria com o jogador após o encerramento das tratativas do Flamengo. Como se vê, não foi isso o que aconteceu. A pergunta que fica é: se o clube conduziu de forma ética o negócio, por que não tratar diretamente com o procurador do atleta, como o fez das outras vezes?

Assim como o Flamengo, o modo de agir do Fluminense também é reflexo de sua própria organização. Thiago Neves é hoje atleta tricolor não porque este clube é mais estruturado do que o rubro-negro, mas devido à atuação de sua parceira, a Unimed, que bancou esta negociação e ano após ano concretiza todos os sonhos de consumo dos dirigentes, seja para reforçar o time, seja para provocar os rivais – a novela em questão reúne ambos os fatores. Seria bobagem negar que o presidente daquela empresa é, antes de tudo, um torcedor.

Nos Fla-Flu’s é um ‘ai Jesus!’

Encerrada esta novela, o Flamengo tem outras questões a se preocupar. Na terça, o clube afastou o zagueiro Alex Silva. Durante a semana, a permanência de Ronaldinho Gaúcho ainda era dúvida. Dentro de campo, a direção deve cuidar para não desmotivar o restante do elenco, bem como reforçar o plantel.

Mesmo faltando zagueiros e um atacante de velocidade, o elenco rubro-negro é bom. Os recursos para a contratação de Thiago Neves podem agora ser direcionados para outro atleta, como Vagner Love. O time é experiente o suficiente para se recuperar, como o fez em 2009, ano do mais recente título brasileiro. Se evitar cometer novos erros, a torcida irá mais uma vez apoiar a equipe. Vale lembrar que, no início de 2011, quem vivia sobre crise era o Corinthians, que terminou o ano como campeão nacional.

Além do que, não há mal que uma outra vitória sobre o Fluminense não cure! [dentro de campo, onde importa!]

Saudações rubro-negras!


*Giliard Gomes Tenório é rubronegro, jornalista e doutorando em Ciência Política pelo IESP-UERJ


O que aprender com a novela Thiago Neves

por Tiago Rattes de Andrade

O mundo da bola prega peças nos mais apaixonados torcedores. Quem imaginaria que os tricolores, que até então outro dia queriam exorcizar as lembranças positivas de Thiago Neves, iriam comemorar com afinco sua volta ao clube em meio a uma contratação cheia de melindres, polêmicas, coroadas por acusações de várias partes.

Confesso que como torcedor do Fluminense demorei muito para formar opinião sobre a contenda. Há muitos anos aprendi a manter os pés no chão em relação a constituição de um elenco. Em 2011 sofri com a zaga tricolor que, apesar da vontade dos nomes à disposição, deixou muito a desejar. Isso nos custou um título.

Digo isso por que a vontade de trazer Thiago Neves pareceu superar em muito a racionalidade de se buscar um zagueiro com potencial e experiência, pronto para enfrentar uma competição de peso como a Libertadores da América. De qualquer forma, me parece que já é tarde. Iremos para essa batalha com as armas a disposição e um time com muitos meias.

A possibilidade de trazer de volta Thiago tem relação direta com uma concessão gigante feita pelo presidente Peter Siemsen neste início de ano. Eleito com um discurso de ampliar a independência do clube diante do patrocinador, mudou de posição e hoje admite que é “possível” promover o futebol com os amplos recursos oferecidos, sem perder a tal independência que muitos acham ser fundamental.  A realidade é que Peter foi engolido pela cruel lógica do mercantilismo que domina o futebol. Aguardemos para ver onde vai e como conseguirá caminhar.

Não gosto, não aprovo e não resigno com a idéia de Celso Barros ser uma espécie de patriarca do time. O Fluminense nunca teve isso. Em seus maiores momentos de glória o destaque sempre foi um presidente ousado e um elenco de qualidade, apoiado pela torcida sempre guerreira.

Pode ser uma lógica sem volta, ou pior, na ausência de um parceiro dessa magnitude, as dificuldades podem ser enormes.

Neste episódio me chamou a atenção a postura do presidente. Mediante as injustas acusações da presidenta do Flamengo, manteve-se sereno. De forma sucinta elucidou o caso. Em momento algum respondeu a acusações infundadas ou buscou medir forças em nome de uma crise no futebol carioca. Peter agiu como tricolor, e não como o anti-rival. Não há dúvida que a presença de Rodrigo Caetano já começa  fazer efeito nas Laranjeiras.

Analisando racionalmente, fica claro que trazer de volta o atleta não se escora em argumentos muito racionais. Temos Deco, Wagner, Lanzini e Martinuccio (que apesar de atuar mais a vontade na frente, funciona como meia). Porém, com a saída de Marquinho para o Roma, a volta de Thiago ganha algum sentido.

O desafio do tricolor agora passa as mãos de Abel Braga. Transformar um dos elencos mais fortes do continente em um time de verdade. Não será tarefa fácil e não haverá espaço para falta de ousadia.

Se o início de temporada não for realmente avassalador, predominará a pulga atrás da orelha, as cobranças vão chegar, e o que parece até então apenas felicidade montada em pilhas de dinheiro poderá se tornar o amargo sabor da decepção, ampliada pela cobrança dos rivais.

Thiago Neves terá de provar que as declarações dadas que evidenciaram a vontade de retornar as Laranjeiras eram efetivas e jogar um futebol minimamente parecido com o das últimas passagens. Terá de jogar mais do que jogou no rival onde, apesar do desempenho, não foi decisivo, nem herói.

Apesar da polêmica da contratação, é fato inegável que esta é a casa de Thiago, aqui ele viveu as maiores glórias, venceu seu mais importante título no futebol brasileiro. Aqui ele recebeu a segunda chance da torcida. Não poderá falhar. Caso contrário, ficará marcado da pior forma possível.

A única chance do Fluminense redimensionar o papel dos parceiros em seu projeto é vencer títulos importantes neste ano, garantindo a consolidação de uma época positiva e tendo a oportunidade de se repensar no conforto do crescimento e da popularidade.

O rival maior vive uma crise intensa. Mas é prudente entender que mesmo com as baixas e problemas, dificilmente terá uma temporada pior que a anterior, o que não é pouco tendo em vista a alta competitividade do futebol brasileiro. De nada adianta arrancar-lhes um jogador e não vencê-los em campo. O primeiro Fla-Flu de verdade ainda não começou, e se o Flu quiser mostrar a que veio deverá triunfar sobre a filial.

E se tiver créu, não vamos achar ruim. 

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