sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Por que ativistas e intelectuais reagem tão mal quando são questionados em situações de machismo, homofobia ou racismo?

Ativistas e intelectuais “progressistas” tendem a entender que sua atuação lhes confere certo capital social e político que os protege de seus próprios erros...


A situação que envolveu o professor  Paulo Ghiraldelli Jr., que há quatro anos leciona na UFRRJ, ao longo dos últimos dias tem um caráter emblemático. Durante uma palestra na  I Semana Acadêmica de Filosofia da UFRRJ o professor sofreu um “escracho”. Trata-se de uma espécie de tática de manifestação em que jovens expõem alguém a uma situação intensa de protesto, decorrente de alguma posição política, geralmente ligada a intolerância, discriminação e violência. As razões do “escracho” ao filósofo se justificaram pelo suposto comportamento machista, homofóbico e até racista, que segundo alunos e alunas se materializava em piadas nas aulas e também em textos, como por exemplo, uma recente coluna intitulada “Diante da mulher nua, pergunto se é “friboi”?.


Paulo Ghiraldelli Jr.(Foto: blog pessoal)
Não conheço o filósofo e nem tenho pretensão de fazer aqui uma análise profunda sobre o caráter do mesmo, ou tentar compreender através de sua obra se ele pode ou não assim ser tratado. Interessa-me, de imediato, levantar algumas questões sobre esses conflitos que se tornaram relativamente comuns nos dias de hoje.

A reação de Ghiraldelli diante os alunos é emblemática. Aos berros, no vídeo feito pelos alunos durante o “escracho” ele diz: “sou militante de todos os movimentos sociais e tenho livros para provar isso”. O filósofo apresentou, portanto, as credenciais que o isentariam de machismo: é um militante, ou seja, não pode ser questionado.

Em proporções diferentes essa foi a reação do rapper  Emicida quando questionado por feministas de fora e de dentro do mundo do rap sobre a música “Trepadeira”, lançada em seu novo álbum.  Emicida é indiscutivelmente um valoroso combatente da igualdade social e racial. Apesar de não ter tido uma reação tão “exaltada” como a do filósofo, também procurou a todo momento negar o suposto machismo.

E quem tem um grau de vivência, seja na academia, seja nos diversos movimentos sociais tradicionais, principalmente os sindicais, sabe que é costumeiro o comportamento machista e homofóbico. E a luta para modificar esse quadro sempre encontra resistência.

Ativistas e intelectuais “progressistas” tendem a entender que sua atuação lhes confere certo capital social e político que os protege de seus próprios erros.  Inclusive os protege da ausência de reflexão sobre os problemas complexos que envolvem gênero e raça, por exemplo.

De um lado podemos constatar que boa parte desse campo progressista ainda não promoveu as devidas reflexões. Tanto ativistas, quanto acadêmicos ainda não incorporam, na sua grande maioria, as temáticas citadas em seus debates e reflexões. Tais temas ainda encontram espaço marginalizado nos diversos meios, ficando restritos quase que exclusivamente a antropólogos e congêneres.

Do ponto de vista do ativismo e da militância, existe uma forte tendência de hierarquização de bandeiras, algo muito comum nas esquerdas tradicionais. Isso não é só um problema de método, é antes de tudo um problema de concepção. Demonstra que persiste em boa parte desses setores a perspectiva de observar a realidade complexa através de olhares que privilegiam determinadas esferas, enquanto o mais importante seria compreender as múltiplas relações causais e de interações de efeitos que esses temas propiciam.


Ao mesmo tempo em que vejo esse fenômeno, vejo também horizontes interessantes. Cada vez mais surgem movimentos dispostos a construir olhares complexos e múltiplos sobre a realidade. Isso significa a efetiva possibilidade de integração e interação das pessoas, em sua multiplicidade e diversidade.

Um comentário:

  1. Muito bom! Isso é interessante, também, porque o aluno que, humildemente, está sempre num estado de profundo aprendizado diante do professor (por considerá-lo exemplar), acaba incorporando ideias que, muitas vezes, como foi dito no texto, ainda não foram refletidas devidamente por esses professores. Lógico, estamos sempre aprendendo, independe de sermos professor ou aluno. Mas é a partir daí que pontos de vista restritos se disseminam.

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