quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

2008, o ano que não terminou

por Márcio de Paiva Delgado

Nas últimas semanas de Julho de 2011 o mundo acompanhou com os olhos fixos nos noticiários as negociações sobre a dívida pública norte-americana como se fossem capítulos finais de uma novela que batia recordes de audiência. O presidente Barack Obama falou várias vezes ao público norte-americano pedindo que fizessem pressão sobre os Congressistas (Democratas e Republicanos) para que estes aprovassem uma autorização para que o governo daquele país pudesse se endividar ainda mais sob o risco de provocar uma moratória de proporções gigantescas e repercussões globais impossíveis de serem previstas.


Mas quais os motivos que levaram a maior economia do mundo ficar à beira de um calote e porque o mundo está passando por um processo de redução da atividade econômica?

A partir de meados de 2007, uma avassaladora crise começou a atingir a economia de todo o planeta. Governos, empresas, bancos, financeiras, seguradoras, fundos de pensão e pessoas físicas em todo o mundo foram duramente atingidos por uma onda de rombos e prejuízos que ultrapassou 20 trilhões de dólares até o final de 2010. E, diferente das crises que ocorreram nos anos 90 e começo dos anos 2000 em países periféricos do capitalismo global como México, Argentina e Brasil; esta atingiu o centro do capitalismo financeiro: EUA, União Européia e Japão. Alguns países como China, Índia e Brasil, que juntos com a Rússia formam o BRIC (grupo dos maiores países emergentes da atualidade), sofreram menos com a crise, mas não passaram ilesos. Para muitos economistas, essa é a maior crise econômica da história do Capitalismo e ainda não acabou.

Duas décadas de desregulamentação financeira neoliberal transformou o mercado financeiro num verdadeiro Cassino onde banqueiros e especuladores, com apoio dos governos destes países, não apenas falsificavam balanços e relatórios como apostavam as economias de milhões de famílias sem qualquer medo de serem responsabilizados depois.

Essa situação de irresponsabilidade e de fraudes contábeis ficou impossível de ser escondida quando uma “bolha especulativa” em hipotecas norte-americanas de alto-risco (títulos chamados de subprimes) explodiu no segundo semestre de 2007. Tais subprimes foram livremente negociadas sem qualquer controle por instituições financeiras do todo o mundo, principalmente nos EUA, enquanto as agências de riscos classificavam tais operações como “totalmente confiáveis”. Como eram títulos de alto-risco e com históricos de inadimplência, assim que os primeiros calotes começaram em finais de 2006, iniciou-se um verdadeiro “efeito dominó”. Em questão de meses, centenas de bilhões de dólares evaporaram e transformaram-se em “títulos podres”, ou seja, títulos que nunca serão pagos, pois seus valores estavam completamente fora da realidade por conta da especulação desenfreada. Essa foi a primeira fase da crise.

Em 2008, essa verdadeira avalanche de calotes deixou o mercado financeiro global em pânico e em semanas outras centenas de bilhões de dólares foram retiradas de negociação nas bolsas de valores e os bancos cortaram o crédito. Tal “efeito manada” entre os investidores e bancos fez com que os que tinham dinheiro ficassem com medo de investir (não confiavam nos balanços das empresas) ou emprestar (temiam novos calotes) e aqueles que precisavam de dinheiro para saldar suas dívidas ficaram sem opção a não ser arcar com o prejuízo. Essa crise de crédito afundou o consumo e o investimento e marcou a segunda fase da hecatombe econômica. Os resultados imediatos foram dezenas de milhões de desempregados; uma brutal queda na produção e nos investimentos privados; uma quebradeira generalizada de bancos, empresas, seguradoras, fundos de pensões e milhões de famílias norte-americanas sem suas casas. Um verdadeiro caos financeiro onde ninguém sabia exatamente o tamanho do rombo e quem iria pagar a conta.

Para tentar debelar o incêndio financeiro, os governos dos principais países do mundo passaram a adotar medidas para reativar a economia em 2009 e 2010. Os juros foram cortados ao máximo para estimular o consumo, os prejuízos foram assumidos pelos Tesouros Nacionais e os Bancos Centrais destes paises passaram a derramar trilhões de dólares no mercado financeiro na tentativa de dar tranqüilidade aos investidores e empresários a fim de forçar uma nova onda de crescimento. E esta é a origem da terceira fase da crise, que começou em 2010 e se agravou em 2011.

Tal estratégia dos países desenvolvidos foi arriscada. Os governos injetaram fábulas de dinheiro no mercado, aumentando de maneira descontrolada suas dívidas públicas para fazer com que a roda da economia voltasse a girar. A questão é que a economia ainda não voltou a crescer de maneira satisfatória e, neste caso, em vez de ajudar, o endividamento público irá somar-se aos outros problemas. Dentre os mais atingidos por tal tsunami de prejuízos e que adotaram essa estratégia, destacam-se os EUA, Japão e União Européia (sobretudo um grupo de países da Zona do Euro conhecidos como PIIGS - Portugal, Itália, Grécia e Espanha - Spain em inglês), pois suas dívidas públicas chegaram a níveis alarmantes.

O segundo semestre de 2011 foi dramático. Os EUA ficaram a beira de uma moratória histórica. Grécia, berço da democracia, vive novamente uma crise marcada por protestos populares e violenta repressão. A Espanha bate recordes no nível de desemprego. Portugal, além de receber ajuda financeira internacional, aprovou em novembro mais um “orçamento de austeridade” duríssimo para 2012. A Itália, um dos membros do G7, viu seu folclórico e verborrágico primeiro ministro Silvio Berlusconi renunciar após o aprofundamento da crise econômica. A Inglaterra enfrenta greves gerais de funcionários públicos contra medidas recessivas propostas pelo governo.

O problema é que a cura apontada por boa parte dos especialistas pode ser um remédio amargo demais: redução nos salários, reforma na previdência social, aumento de impostos, cortes de investimentos em áreas sociais e mais demissões. Este remédio pode matar o paciente ao invés de curá-lo, além do risco da crise se transformar em uma nova epidemia na economia global.




Marcio de Paiva Delgado é graduado e Mestre em História pela UFJF e Doutorando em História pela UFMG

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